terça-feira, 17 de março de 2009

Psicologia dos Contos de Fadas

Infelizmente, muitos pais desejam ver seus filhos com as cabeças funcionando racionalmente como as suas, e acreditam que a maturidade deles dependa exclusivamente do ensinamento lógico oferecido pela maioria das escolas que, via de regra, em nossa sociedade moderna, nada mais fazem que repassar um conteúdo pedagógico desprovido de maiores significados para a vida. Esquecem-se de explorar os sentimentos como fundamental ingrediente para a formação do caráter e, ainda que bem alfabetizem, desconsideram os contos de fadas como se estes só gerassem confusões quanto aos conceitos sólidos de realidade que devem ser ensinados às crianças. Pecam gravemente por isso.
Afinal, a sabedoria não é coisa que nasça pronta como a deusa Palas Atena, que, inteiramente formada, pulou fora da cabeça de Zeus; é antes algo delicado, que se constrói desde os tenros anos da infância, e que passa necessariamente por um estágio primevo, irracional, de extraordinário potencial que só se desdobrará convenientemente num bem explorado e maduro psiquismo. Obrigatoriamente, isto nos leva à necessidade de lidar com nossos sentimentos. O mundo interior, desconhecido pela consciência intelectualizada, encerra segredos legítimos, guarda metade de nós mesmos, e sua assimilação é imprescindível para todo aquele que deseje conhecer-se melhor ou que esteja buscando respostas honestas para os enigmas da existência
Neste particular, os contos de fada cumprem relevante papel. São expressão cristalina e simples de nosso mundo psicológico profundo. De estrutura mais simples que os mitos e as lendas, mas de conteúdo muito mais rico que o mero teor moral encontrado na maioria das fábulas, são os contos de fada a fórmula mágica capaz de envolver a atenção das crianças, despertando-lhes (idem nos adultos sensíveis) sentimentos e valores intuitivos que clamam por um desenvolvimento justo, tão pleno quanto possa vir a ser o do prestigiado intelecto.
Em essência, os contos de fada podem ser vistos como pequenas obras de arte, capazes que são de nos envolver em seu enredo, de nos instigar a mente e comover-nos com a sorte de seus personagens. Causam impacto em nosso psiquismo porque tratam das experiências cotidianas, e permitem que nos identifiquemos com as dificuldades ou alegrias de seus heróis, cujos feitos narrados expressam, em suma, a condição humana frente às provações da vida. Não fossem assim tão verdadeiros ao simbolizar nosso caminho pessoal de desenvolvimento, apresentando-nos as situações críticas de escolha que invariavelmente enfrentamos, não despertariam nem sequer o interesse nas crianças que buscam neles, além da diversão, um aprendizado apropriado à sua segurança. Neste processo, cada criança depreende suas próprias lições dos contos de fadas que ouve, sempre consoante seu momento de vida, e extrai das narrativas, ainda que inconscientemente, o que de melhor possa aproveitar para aí ser aplicado. Oportunamente, pede que seus pais lhes contem de novo esta ou aquela história, quando revive sentimentos que vão sendo trabalhados a cada repetição do drama, ampliando assim os significados aprendidos ou substituindo-os por outros mais eficientes, conforme as necessidades do momento. Desde a remotíssima antigüidade (especialistas apontam para uma tradição oral que começa há mais de 25.000 anos), a relação de qualquer criança com o mundo sempre dependeu dos relatos míticos e religiosos, cujos elementos básicos constituintes encontram-se espalhados por uma miríade de células narrativas de caráter mágico, as quais denominamos contos de fadas.
Platão, século V a.C., no Livro III da República, propunha educar seus cidadãos por um mito próprio que lhes explicasse a origem de suas castas; em outros escritos informa que em seu tempo era função das mulheres narrar às crianças as alegorias, às quais chamou de mythoi. Data histórica mais antiga nos leva diretamente à fonte do popular tema dos "Dois Irmãos", um dos quais geralmente é bom, o outro nem tanto, encontrado em quase todos os folclores. Ela se acha escrita no papiro egípcio Orbiney (nome de seu antigo possuidor) datado de 1210a.C., que se encontra completo e preservado no Museu Britânico. Relata as desavenças entre dois irmãos, projetadas na dupla de deuses Anúbis e Bata, que vivem brigando entre si, mas dependem mutuamente um do outro. Entretanto, a ocorrência desta história parece ser ainda mais arcaica.

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